A literatura curitibana tem chamado a atenção da imprensa local e, de forma surpreendente, também de outros eixos Brasil afora. O Portal Paraná On-line fez matéria recente a respeito do assunto, falando tanto da criação literária propriamente dita quanto do processo de edição e circulação do livro. Para isso, o jornalista Jonatan Silva lançou 5 questões referentes ao assunto, que serviram de subsídio para o texto final. Abaixo, coloco as 5 questões com minhas respectivas respostas, a fim de compartilhar o que penso atualmente sobre o assunto.
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Jonatan Silva: Como é ser escritor em Curitiba?
Cezar Tridapalli: Curitiba dá pano para muitos tecidos narrativos e poéticos, mas creio que todo o lugar seja capaz de fornecer esses elementos. O que posso dizer também é que não conseguiremos uma unidade temática e estilística apenas por escrevermos nesse espaço demarcado geograficamente. Uma cidade se faz de imaginários e esses imaginários vão além da âncora geográfica, embora não prescindam dela. O Italo Calvino, no Cidades invisíveis, dizia que “a cidade se embebe como uma esponja dessa onda que reflui das recordações e se dilata”. O espaço no qual estamos nos toca, nos sensibiliza como a um filme fotográfico, mas nós devolvemos impressões e sentidos sempre subjetivados. Sobre Curitiba, especificamente, só tenho uma certeza: o fato de não ter praia ajuda a gente a ficar mais em casa, pensando bobagem.
JS: Antes de ser escritor você fez o Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar. Nessa época o desejo de escrever já despontava?
CT: É, na verdade me formei oficial do Corpo de Bombeiros, que é um ramo da Polícia Militar do Paraná. Na época em que entrei, havia também passado no vestibular para Letras, o que significava que eu já tinha interesse em livros e leitura. Mas apenas como leitor. Não me pensava produzindo mais seriamente, perseguindo um tal projeto estético (nem sei se tenho isso, mas é bonito de falar). Tinha lá meus poemas guardados, e só. A ideia de escrever a sério veio depois das aulas com o então professor e hoje grande amigo Paulo Venturelli, a quem, inclusive, dedico meu primeiro romance, o Pequena biografia de desejos.
JS: Quais são as dificuldades para um escritor que publica por uma editora menor?
CT: A resposta padrão é: a dificuldade de distribuição nos principais pontos de venda do Brasil e a dificuldade de fazer o livro ser lido pela crítica, pela imprensa, para que, falando bem ou mal, ele ganhe visibilidade e reverberação. Isso aconteceu muito exemplarmente com o primeiro livro, que ficou restrito a Curitiba, com raras exceções. Mas é preciso lembrar que eu era um sujeito completamente desconhecido, sem vínculo nenhum com jornalistas, outros escritores, nada disso. E os contatos com a editora, que é de outro estado, foram estritos. Então é claro que tudo fica mais difícil. Eu era um autor afastado já havia algum tempo da universidade e sem ligação com o meio literário, nem mesmo o local.
Agora, para o segundo romance, não quero dizer que sou super conhecido, claro que não, mas já houve avanços, consegui me inserir um pouco, ganhei um prêmio nacional importante. E o fato de publicar pela Editora Arte & Letra tem me entusiasmado. Ela se enquadra naquilo que podemos chamar de “editora pequena” pela quantidade de títulos que publica anualmente. Mas é inegável a qualidade gráfica, o cuidado mais personalizado com cada obra, o status cool que ela carrega. Tudo isso agrega valor. E está com suas obras nas principais livrarias do país.
JS: Muita gente fala que a literatura em Curitiba é autofágica. Como você viu o tratamento à sua obra depois do prêmio de literatura de Minas Gerais? Como o escritor curitibano é visto nos outros estados?
CT: Desde 2011, quando idealizamos a FLIM – a Festa Literária do Colégio Medianeira, onde trabalho já faz uns duzentos anos – e o Projeto Sujeitos Leitores – série de entrevistas em vídeo com grandes leitores da cidade e de fora dela (disponível no Youtube) –, conheci muitos escritores, a maioria local. Essa famigerada autofagia parece um bordão de fachada, mas que, se investigado a fundo, vai perder a força. Há discordâncias, claro, não se trata de desejar uma panelinha de pessoas que combinam de ficar jogando confete uma na cabeça da outra, mas sinto que há muito respeito também. Por ser um escritor curitibano, não sou obrigado a gostar particularmente das obras de todos os curitibanos ou radicados aqui. E nem todos devem gostar dos meus livros. Mas meu gosto não é lei. Então vou lutar para que todos tenham o direito de mostrar como pensam o mundo a partir da sua linguagem. E vice-versa. Isso eu acho que é manter um relacionamento maduro com a questão.
Depois que ganhei o Prêmio Minas Gerais de Literatura, recebi muitos cumprimentos, ganhei umas notas em jornais, um breve perfil, vai sair trecho inédito, tem convite para entrevista, de repente aparece uma participação em evento literário. Enfim, tudo tem acontecido como as coisas devem ser, sem euforia desmedida nem silêncio constrangedor. Por eu ter vencido um prêmio em Minas Gerais, a gente acaba ganhando uma visibilidade naquele estado também.
Não sei se essa espécie “autor curitibano” é vista em outros estados assim, em bloco. Às vezes, sim, com a ajuda de matérias como as que saíram recentemente a respeito do assunto. Mas alguns escritores têm mais penetração que outros, independente de serem ou não curitibanos. Seja por terem uma editora com mais inserção, melhores relacionamentos, mais tempo de estrada, trabalho já estabelecido e reconhecido pela qualidade, essas coisas todas.
JS: Você acredita que houve uma mudança no pensamento – tanto de quem é daqui quanto de quem é de outros estados – sobre a produção literária? Comento isso por conta daquela matéria que saiu no O Globo.
CT: Mudar, mudou, mas quase exclusivamente entre as pessoas que acompanham os assuntos relacionados à produção literária. Sempre produzimos grandes autores, mas agora, com a difusão da informação por meio das tecnologias, parece que estamos acreditando mais nisso e tendo uma noção mais conjunta de tudo o que se faz e que compõe um sistema editorial que vai sendo fortalecido: em Curitiba, temos editoras ótimas, temos autores ótimos, temos jornais literários entre os melhores do Brasil, temos muita gente boa produzindo e publicando on-line. Tudo parece perfeito, mas tem um “detalhe”: acho que ainda falta o leitor. Não penso que o curitibano tenha que ler curitibanos por solidariedade bairrista. Mas ele deveria ter a chance de entrar em contato com quem fala do espaço onde ele vive ou, mesmo que não fale da cidade, que compartilhe uma sensibilidade que foi forjada na terra onde ele vive. É evidente que consigo pensar no meu mundo mesmo lendo Dostoiévski, mas é claro também que, como autores, gostaríamos de ser lidos por quem forma a cidade da qual falamos direta ou indiretamente. Não se leia por pena, leia-se para descobrir que também produzimos com qualidade. Leia-se porque ler é melhor do que não ler. Esse motivo já basta. Por que ler? Porque sim.
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