O beijo de Schiller
Por Paulo Venturelli
Cezar Tridapalli vence com argúcia artística o desafio do segundo romance.
O beijo de Schiller narra a história de um escritor, Emílio Meister, autocentrado, narcisista e repleto de máscaras. Ele é sequestrado por um pivete, e este acontecimento rompe todas as aparências de sua vida e joga suas máscaras no chão, num jogo de perde e ganha que o faz rever as posições mantidas até então. Sendo levado para a própria casa pelo bandido-mirim, Emílio tem oportunidade de chamar a polícia e não o faz. Passa a conviver com o garoto, uma experiência que remodela seu cotidiano e rompe o véu que encobria certas mistificações do escritor-narrador. A partir daí, surgem conflitos com a esposa, questionamento da obra e do relacionamento com uma vizinha e um sentimento ambíguo de paternidade com o rapaz que manda e desmanda, sob a mira do revólver e depois de apropriar-se da casa do escritor. O cafajeste desperta certa admiração em Emílio por representar um modelo de vida livre que o narrador nunca teve.
Emílio está escrevendo um livro. Seu personagem, Luka, é um jovem de 25 anos e perturbadoramente virgem, mas arrastado por ondas de erotismo e por uma impulsão obsessiva pela vida saudável. Ele tem um passado na penumbra que instiga a leitura e acende a curiosidade do leitor.
No absurdo da história, Emílio se confronta com seus mitos e vamos encontrando um quebra-cabeças em que as peças não se encaixarão de modo adequado. Enquanto está nas mãos do bandido iniciante, o narrador, em flashback, tem devaneios, como se por meio deles fosse se liberar do difícil momento que atravessa.
É obrigado a fazer um balanço do seu sucesso literário frente ao miserê do menino e sua escala de valores vem abaixo.
Neste ponto, Tridapalli marca sua arte com uma dicção jovem, ancorando-se no romance de prospecção, de ideias, ultrapassando o realismo desgastado de nossa literatura, com um discurso original, poético e com pitadas de humor noir diante dos impasses.
O romance de Tridapalli mostra um Emílio sem piedade de ninguém e se ele se vê contra a parede, está aceso o estopim que vai explodir lá na frente e causará muita surpresa a quem lê porque, além de tudo, ele será colocado em xeque pela mulher. Surge sua condição de homem do nosso tempo na sua solidão exacerbada por não conseguir segurar seus afetos.
O beijo de Schiller é a história de uma perda: perda da vida de aparências diante da autenticidade do sequestrador, perda da aura romântica da vida quando Emílio percebe que cria personagens fictícias e é incapaz de lidar com pessoas.
Enfim, um romance que não cede ao facilitário, obra de tessitura fina, uma lente para ler o mundo e materializá-lo em forma de arte.
Booktrailer: