Cezar,
Na sexta-feira que se seguiu ao lançamento, devorei a “Pequena biografia de desejos”. Pra mim o livro pegou num ponto que ultimamente anda incomodando bastante, mas cujo nome não sei bem. Aquela imagem do cadete preparado para uma batalha que nunca vem, por exemplo, me angustia um “bom” tanto. Esse imaginário que vai se consumindo em vida, sei lá, essa distância entre o que se vive no imaginário, que não deixa de ser uma realidade, e o se dá num plano que envolve realizações compartilhadas… Não sei bem se consigo me explicar falando assim… Esse Desidério moribundo, os personagens todos, parece que eles vão se desenrolando presos em passagens da literatura que vão soando ao longo do texto e isso me dá uma sensação de claustrofobia, como se não houvesse escapatória: o imaginário e sua ambiguidade, ele fica sendo mais um aprisionador do que um possibilitador de qualquer coisa em vida. Quando terminei de ler, peguei o caderno e escrevi que o seu livro era “um cortejo fúnebre da inocência, do imaginário que não tenha pés fincados na realidade material que o possibilita”. Não sei se é isso, resisti a te mandar uma resposta, talvez porque a coisa toda tá meio selvagem dentro da minha cabeça e com poucas consequências fora dela. Parece que o livro mexe com alguma parte raivosa dentro de mim, uma parte que quer brigar com a literatura e com o imaginário, pelo menos nos moldes como eu os vinha entendendo. Quero tentar registrar minha leitura num texto um pouco mais sóbrio qualquer hora, por enquanto vai esse disparo barulhento pra você não se atordoar com o silêncio… Sabe que comecei a ler agora o “Em busca do tempo perdido” e Sr. Swann me perturba parecidamente com o que você faz no seu romance, no sentido de que lá ficam pipocando referências que traduzem o mundo externo que ele tem diante de si para a linguagem das suas referências… Claro, talvez seja condição inescapável: só se compreender o mundo conforme as referências que se tem… E aqui eu começo a viajar em qualquer coisa parecida com alguma teoria da linguagem gástrica e com ela querer deglutir qualquer peça literária, mas é que o seu romance dá brechas para isso… Desidério deletério se consome num mundo de imaginário borbulhante, mas imaginário não basta… Enfim, o romance é daquelas obras que ficam quicando nas paredes da cabeça. O imaginário é um modo de criar possibilidades para a vida, mas também um cárcere, não? E o teu livro lidando com uma inocência definhante que contamina as demais personagens, criaturas livrescas, aprisionadamente livrescas…
Mando logo esta mensagem para não desistir da linguagem, apagá-la e deixá-la pra um depois incerto,
conversemos…
Grande abraço,
Gabriel Rachwal é mestrando em estudos literários (UFPR) e ator.
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