O jornalista Jonatan Silva, em sua coluna de 20/6/2014 no Portal Paraná Online, destaca O beijo de Schiller como pedra fundamental da nova literatura paranaense. A matéria em sua fonte original pode ser lida aqui. Abaixo, a íntegra da publicação.
Foi com um beijo que Judas traiu Jesus. É com um beijo que os noivos selam a cerimônia de casamento e é com O Beijo de Schiller que o escritor curitibano Cezar Tridapalli cria a pedra-fundamental da nova literatura paranaense. O livro, que recebeu o Prêmio Minas Gerais de Literatura, é uma metáfora para as situações-limite que desintegram o que resta do dia a dia. Emilio Meister, escritor mais comentado que lido, e sua esposa são vítimas de um sequestro no litoral catarinense e que acaba por se estender até a chegada do casal a Curitiba.
Apesar de ter chances de se livrar do marginal, um rapaz de 20 anos e armado com um revólver, Meister decide se acostumar ao algoz, que passa a ser um elemento presente em todas as horas – inclusive a rotineiras “reclusões” ao banheiro. Tridapalli é ambicioso ao alinhar o dever moral que leva o personagem a sustentar o sequestro – muito mais por pena que por medo – às convenções sociais de um casamento estilhaçado pela crise familiar.
Mas ninguém é inocente. Assim como Simon Axler (de Philip Roth) e Henry Perowne (de Ian McEwan), Emilio Meister é uma vítima de si mesmo, de suas visões de mundo. Por isso, a chegada do rapaz é, na verdade, uma inversão da Anunciação: ao invés de ser como o Gabriel, que trouxe a boa nova à Maria, ele trouxe o caos, o apocalipse. Aquele jovem é como o Visitante de Pasolini, por onde passa deixa um rastro de destruição.
“Meistria”
Meister é uma pessoa conhecida, participa de mesas-redondas, aparece na TV, enfim, conta com uma vida social dentro do normal. Sua filha, Vitória, não consegue enxergar o mesmo: para ela, o pai é homem ausente, distante, corrompido pelos prêmios e pela fama. A maior lembrança que possui da filha enquanto menina é justamente a mesma que ela tem do pai – a criança agarrada às calças de Meister – porém, a interpretação e o ponto de vista são completamente diferentes.
O pai vê aquele gesto como uma prova de amor, de apego; a filha tem na necessidade de se agarrar ao pai o ultimato de que era preciso mendigar a sua atenção, grilar as terras do afeto. Logo, chega-se ao ponto em que a arma do sequestrador já não assusta e o revólver passar a ser um elemento puramente cênico, como um abajur ou uma parede. O que tira o sono de Meister é a crise com a filha e a esposa, símbolos da supremacia da classe-média – ou mérdea, como diria João Antônio.
No final das contas, o romance de Tridapalli é o cenário de nosso cotidiano – meu, seu e do autor – transfigurado no absurdo que se esconde nas convenções sociais e no amadorismo que todos nós carregamos na tentativa de viver.
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