No encerramento da segunda turma da Oficina de romances na ESC – Escola de Escrita, em Curitiba, conversei com a romancista e roteirista Ana Paula Maia. A conversa aconteceu em 13/12/2016.
Abaixo, coloco minhas perguntas que deram origem à conversa, que prosseguiu com questões do público:
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Ana Paula Maia é nascida no Rio de Janeiro, autora de 6 livros, 5 publicados e um previsto para 2017. Os 5 são O habitante das falhas subterrâneas (de 2003), A guerra dos bastardos (de 2007), Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos (duas novelas, uma com esse título e outra chamada O trabalho sujo dos outros) (de 2009), Carvão animal (de 2011), e De gados e homens (de 2013). Também é roteirista e teve o primeira-longa lançado recentemente, Deserto, com a direção do Guilherme Weber, em setembro, outubro.
– O início: para escrever é preciso uma visão minimamente diferente da realidade, do jeito de ver o mundo e a vida, ângulos insuspeitos. E tem também o contato com a linguagem literária, onde o mundo aparece decantado por esse filtro poderoso da ficção (não conheço escritor que não seja leitor). Entonces, você podia começar falando disso, da tua forma de ver o mundo sem mediação (a observação direta) e também do teu modo de ler literatura (observação indireta do mundo), o que você leu e lê.
– Acreditamos que a literatura seja uma possibilidade de pensar a existência, o tal lugar no mundo. Curioso como você faz o leitor pensar nisso por meio de personagens que estão muito longe de pensar sobre isso.
– Ian McEwan, em Sábado, descreve um neurocirurgião. Naturalmente ele pesquisa, mas nunca vai saber tanto quanto um neurocirurgião. No entanto, ele cria um personagem que convence, que dá a impressão de que é realmente um neurocirurgião. Profissões diferentes obscuras/escuras (bombeiro, cremador, trabalhador minas de carvão, atordoador etc) aparecem constantemente nos teus livros (eu diria até “exclusivamente”). No seu caso, qual a medida entre a pesquisa e a imaginação para criar personagens que precisam ser convincentes?
– Duas cenas muito boas: arrancar os dentes de ouro de um defunto (Carvão animal), e, com o olho direito, ver um abutre comer seu olho esquerdo (De gado e homens). Há também um insólito abatedor abatedor de renas que vem da Finlândia. Essas imagens vêm na hora?
– Você tem a página em branco na tua frente, vai começar a escrever. O que você já tem projetado antes desse momento?
– Sobre os olhos: Em De gado e homens, o olhar parece ser uma presença forte: Burunga e as apneias para os olhos deficientes da filha; os óculos de esqui de Santiago e desejados por Edgar Wilson, a órbita esquerda vazada do Bronco Gil, os olhos bovinos. Ex. P. 62 (ler), ou Bronco Gil, quando diz “meu olho caiu, a porra do meu olho caiu”. (P. 64).
– Gostaria que você comentasse: Em Carvão animal, o fogo é um espetáculo de destruição que enfeitiça. Se é verdade que há muito fascínio pelo belo, pelo finais felizes, é verdade que também há fascínio causado pelo mórbido, pela destruição, pela morte e seus requintes de aniquilamento do corpo. Bombeiro, cremador, trabalhador de minas de carvão, o acúmulo de corpos no crematório e a necessidade de queimá-los usando as fornalhas das minas etc.
– Nomes dos personagens. Como eles vêm à tua cabeça?
– A partir da minha experiência nas oficinas de romance: vejo projetos interessantíssimos, em nada ficam abaixo de livros já publicados. Mas talvez esbarrem em questões de organização pura e simples, de dedicação de tempo. Você escreve todo dia, ou pelo menos quase todos os dias? Fale sobre a obstinação de levar um projeto até o final.
– Não sei se meu senso de humor é meio corrompido, mas eu entrevejo nos teus livros um certo humor no meio da desgraceira. Você concorda?
– Quero um comentário teu a respeito: gosto das digressões e filosofadas propostas por grandes narradores. Nos teus livros, achei impressionante a quantidade mínima de digressões e, em vez disso, o apego aos fatos, à ação, às coisas que acontecem, mas que conseguem provocar as digressões no leitor. Talvez essa característica tenha te ajudado a ir para o cinema, para escrever roteiros, não?
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