O jornalista e escritor Luiz Claudio Soares de Oliveira fala sobre Vertigem do chão:
– Publicado originalmente em https://desapresse.wordpress.com. O link direto para a resenha pode ser conferido clicando aqui.
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A literatura e as artes em geral usam e abusam do lugar comum. Desde que o mundo é mundo. Porém o que as eleva a uma outra categoria, mais ousada, a lugares incomuns, é transformar o lugar comum em arte. Foi o que fez o escritor paranaense Cezar Tridapalli com o livro “Vertigem do chão” (Editora Moinhos, 2019).
No caso dele, os lugares comuns não estão nas expressões textuais, como as aí de cima, mas na história de seus personagens ou daquilo que nós esperaríamos deles enquanto leitores espectadores. Imigrantes, gays, cor de pele, terceiro mundo, primeiro mundo, linguagens viajantes, violência, o corpo humano. Quando pensamos em cada uma dessas situações tendemos a ver com olhares pré-concebidos, preconceitos à flor da pele e do intelecto.
Tridapalli nos escancara o quanto agimos assim ao misturar duas histórias em uma mesma, de dois imigrantes gays, de classe média, de cor de pele diferentes, que se cruzam sem saber um do outro em experiências nos hemisférios norte e sul. Cada qual vai explorar e experienciar a cidade do outro. A língua estranha é uma dificuldade tamanha. Cada qual leva consigo seus preceitos e preconceitos. Dois ativistas mais do corpo do que da mente, politicamente.
Hábil narrador, com texto de frases poéticas, Tridapalli exige atenção do leitor pois assim como a vida, a narrativa é mistura e surpresa. Os personagens estão em situações semelhantes com visões e experiências de vida diferentes. O que acontece em Curitiba pode ou não acontecer em Utrecht (Países Baixos). Situações são semelhantes e diferentes ao mesmo tempo, dependendo do lugar, da língua, dos costumes, dos viventes. Leonel da Silva e Stefan Bisschop são iguais e não iguais. Vivem situações parecidas em suas distâncias que tornam evidente o que era antes apenas suspeitado.
Quem somos os imigrantes? Quem somos os preconceituosos? Quem sofremos com preconceitos? Quem jogamos a primeira pedra? Tridapalli nos tira do lugar comum com sua literatura artesanal sutil e bem trabalhada que nos envolve menos com sustos do que com entendimentos, percepções, aprendizado.
Alteridade
Stefan e Leonel são a alteridade. O olhar do outro e o olhar o outro que nos ajudam a olhar para dentro. São distâncias percorridas para chegarem mais perto de si mesmos. Quem somos? Estamos parados ou em movimento? Conseguimos nos aproximar quando estamos partindo? Partidos, conseguimos nos reunir? As viagens dos dois não são turismo, são conhecimentos inesperados, não planejados. Integração e desintegração.
Partir, no caso deles, foi esgarçar os tecidos dos lugares comuns. A técnica de Tridapalli nos faz perceber esses lugares comuns colocando-nos em outros lugares. Assim como a leitura de “Vertigem do chão”, as viagens de Da Silva e Bisschop nos levam ao desiludir, no sentido de deixar de iludir, de se iludir. É um livro que usa distâncias para nos falar do presente, da globalização, da tolerância e da intolerância. É leitura reveladora que joga luz sobre os cinzas presentes no chiaroscuro dos dias de hoje. De sutil complexidade. É uma vertigem de altura quando se está deitado no chão. Imperdível.
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