Quando alguém lê um livro, três coisas prováveis podem acontecer: devorar, ler ou abandonar. Devorar é quando você é arrebatado: dois dias são o suficiente pra dar cabo. Ler, simplesmente, não denota que o livro não agrada, apenas que você não foi arrebatado. Abandonar, parafraseando Paulo Sandrini, significa que as três primeiras páginas não agradaram. Ou, na melhor das hipóteses, você não está preparado para lê-lo.
Em Pequena biografia de desejos, de Cezar Tridapalli, três páginas não são necessárias. O primeiro parágrafo já é o suficiente para saber o que é o livro: da categoria primeira, a que arrebata.
O conflito que rege a trama é, basicamente, entre o mundo interno (de desejos, devaneios e sonhos) – em outras palavras, aquilo que a pessoa quer – e o externo (a rotina de uma vida movida por convenções: ir trabalhar sempre pelo mesmo trajeto, tirar o lixo, olhar a rua erma, a câmera do elevador, escutar sem ouvir as mesmas histórias). Eis aí o mal-estar de Desidério. Como Paulo Venturelli fala sobre o livro, estamos diante de um ser “dividido”. Preso dentro de si mesmo. Esse conflito, misturado aos desejos, cria uma espécie de dialética da existência.
Por outro lado, é por meio do desejo também que seguimos em frente. A mola propulsora, como diz o tíulo do livro, é o desejo. E ele, querendo ou não, está sempre se movimentando, indo de objeto a objeto, pessoa a pessoa. Não há uma pessoa sequer satisfeita, sem desejar. No caso de Desidério, isso é notável. Como escritor, ele parte em busca de reconhecimento e de ser traduzido para diversas línguas, nos seus comuns devaneios. Aí o seu desejo mais forte e pelo qual luta tenazmente.
É, portanto, a partir da dualidade caos (desejo) versus calmaria (realidade) que sua vida ganha uma nova cor. Mesmo que essa cor não seja levada às vias de fato. Isso é resultado do prazer ao qual se entrega: a leitura. Leitura essa que traz problemas com a esposa, Macária, e a vizinhança. Problemas que não se verbalizam e que, portanto, Desidério não conhece. Esse ponto ressalta as duas realidades impressas do romance: a da Curitiba periférica, na qual reside Desidério e onde os livros e a leitura não são valorizados; e a da Curitiba central, na qual ele trabalha, escreve, de onde ele consegue os livros. A Curitiba dos que leem e a dos que ignoram os livros. Nesse sentido, Desidério é mais uma vez um homem “dividido”.
O que há de muito interessante na construção narrativa de Pequena Biografia de Desejos é o imbricamento utilizado para apresentar os personagens: uma breve biografia até o momento em que a história de tal personagem se cruza com a de Desidério. São histórias que se entrelaçam e se completam. É assim com o próprio protagonista com seus 15 anos de idade, com Adele, com Santiago Bettencourt, com o tio Cevício.
Para isso, Cezar Tridapalli utiliza uma linguagem extremamente agradável, fascinante e afiada.
Diego Zerwes é publicitário, especialista em Literatura Brasileira e História Nacional e estudante de Letras.
fonte: www.zerwes.com.br
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