O Jornal Relevo, em sua edição de abril de 2013, estreou sua coluna de crítica literária. E Pequena biografia de desejos foi o livro escolhido para abrir a seção. A crítica é de Daniel Osiecki.
Você pode ler a crítica em seu local de origem clicando aqui. Abaixo, a reprodução integral do texto de Osiecki.
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Existe literatura em Curitiba. Nem todo mundo sabe, mas os autores estão aí, produzindo, trabalhando, publicando. Tudo bem que há uma movimentação editorial ainda em embrião (muitos curitibanos publicam por editoras do Rio, São Paulo, Porto Alegre), mas há um movimento literário forte em Curitiba que não segue necessariamente um padrão ou uma tendência específica.
Boa parte dos escritores curitibanos escreve mas ainda não publica com regularidade. A maioria não tem contrato com editora nem vínculo formal com algum órgão de comunicação. Fato interessante, porém nada novo, é que grande parte desses escritores ainda não publicados escreve poesia. Há muitos poetas anônimos, alguns bons, outros muito bons, outros irrelevantes, outros péssimos. Mas é fato que a maioria se ocupa com a poesia. Onde estão os contistas e romancistas da nova geração curitibana? Há vida inteligente depois de Dalton Trevisan e Cristóvão Tezza?
Sim, há. E da melhor qualidade. Cezar Tridapalli, escritor curitibano nascido em 1974, publicou em 2011 o romance Pequena Biografia de desejos (7Letras), no qual narra as agruras e peripécias de Desidério, um porteiro que nutre em segredo o desejo de tornar-se escritor. Sua busca por uma voz literária própria é repleta de percalços e fracassos que o tornam muito humano.
Desidério é um sujeito provisório, de passagem, ou seja, ele não tem bagagem literária, cultural, e o desejo (a escolha do nome do protagonista não foi por acaso) de escrever torna-se sua maior ambição, beirando a obsessão. Durante toda sua jornada a certeza da não realização de seus projetos literários vai se evidenciando cada vez mais, mas ele não desiste.
O anti-herói de Pequena Biografia de desejos só não é completamente brutalizado pela rotina porque torna-se um leitor assíduo. Ingênuo, inexperiente, mas voraz. Todos os dias faz o mesmo trajeto de casa para o trabalho em dias que não acontece nada diferente. Desidério vai sofrendo uma espécie de emparedamento metafísico irredutível durante toda sua vida. Seu casamento, suas lembranças da infância quando foi abandonado pela mãe, a presença do pai vegetal o empurram a um abismo que parece não ter fim.
Porém, quando de fato está emparedado (literalmente) na guarita do prédio onde trabalha, se liberta. Liberta-se através dos livros que lê e das várias narrativas que escreve, como um Winston Smith que, à espreita em um canto escuro da alcova, busca seu momento de epifania.
Cezar Tridapalli acertou em optar pelo foco narrativo em terceira pessoa porque os movimentos de Desidério precisavam ser acompanhados por um narrador onisciente. Ao mesmo tempo, as costuras que Tridapalli faz entre a voz do narrador onisciente e imparcial às narrativas de Desidério são os artifícios mais eficientes do romance. A metalinguagem é explorada de forma consciente, na medida certa, sem tornar-se cansativa e experimental demais. Essas são características caras às estéticas chamadas pós-modernas.
Pequena Biografia de desejos chama a atenção também por ser o romance de estreia de Tridapalli. Narrativa envolvente, movimentada que em momento algum cai no senso comum, no clichê pós-moderno artificial. Cezar Tridapalli estreou na narrativa longa com um romance de peso, de gente grande. Há muito mais a ser mostrado na terra de Trevisans, Tezzas, Buenos, Leminskis…
Daniel Osiecki
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