O jornalista Sandro Moser, do Jornal Gazeta do Povo, escreveu na edição de domingo, 8 de junho, os primeiros comentários a respeito do romance O beijo de Schiller. Entre outras questões, o jornalista afirma que “Tridapalli encontra aqui uma voz literária madura que passa longe de imitações e formulismos. Entrega um romance de grande qualidade, fundamental para quem quer entender o que está acontecendo na literatura brasileira atual”.
A pequena resenha, seguida de breve entrevista, pode ser lida na fonte original e na íntegra aqui.
Abaixo, reproduzimos o conteúdo da matéria:
LITERATURA
Sobre amores e reféns
Escritor curitibano Cezar Tridapalli apresenta narrativa literária coesa e inventiva em seu premiado segundo romance
Publicado em 08/06/2014 | SANDRO MOSER
No tecido narrativo preparado por Cezar Tridapalli no romance O Beijo de Schiller, todos nós, em algum momento da vida, acabamos nos tornando reféns. As relações de trabalho, de poder, os conflitos de classe e, principalmente, os embates românticos sempre acabam com alguém restringindo a liberdade de ação real ou emocional do outro. E como não raro acontece, as vítimas constróem um sentimento ambíguo e inesperado com seus carcereiros.
O livro é o segundo romance do autor curitibano – em 2011, ele estreou com Pequena Biografia dos Desejos (7Letras) – e mesmo antes do lançamento o texto obteve a primeira colocação do Prêmio Minas Gerais de Literatura.
Tridapalli costura duas histórias paralelas de forma inventiva, com tramas tangenciais. Uma delas acontece no plano real e é narrada em primeira pessoa pelo personagem do escritor Emílio Meister.
Consagrado no pequeno universo literário local, boas vendas, uma dezena de prêmios, figura carimbada em debates literários e na mídia, Meister é um homem de meia-idade vaidoso e cínico, porém sagaz e consciente de suas limitações estéticas.
Vive um casamento que caminha para o buraco do decurso do tempo. Sua mulher escreve teses furadas de sociologia para concorrer intelectualmente com ele.
As discussões do casal imaginadas por Emílio são, talvez, o ponto alto do livro. Conseguem ser cruéis e engraçadas, explorando com grande profundidade a tragicomédia do amor e do casamento.
Logo no início do texto, o casal é sequestrado por um peculiar meliante adolescente. Ele os leva até a casa da família e passa lá a conviver com o casal de uma maneira muito estranha.
A outra trama é a do livro que Meister tenta escrever durante o período de cativeiro. O personagem central é Luka, um arquiteto esquisito que vive atormentado de tensão homoerótica. A junção das duas narrativas mostra um curioso processo emotivo do criador literário em relação à sua obra.
Ambiental
O universo ficcional do livro é primordialmente a região, ao mesmo tempo pacata e agitada, do Jardim Ambiental, em Curitiba, Mais especialmente, a rua Schiller e suas adjacências arborizadas, que mantêm uma insuspeitada relação com a obra do filósofo e poeta alemão contemporâneo de Goethe que dá nome ao logradouro.
Tridapalli encontra aqui uma voz literária madura que passa longe de imitações e formulismos. Entrega um romance de grande qualidade, fundamental para quem quer entender o que está acontecendo na literatura brasileira atual.
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Confira a entrevista com o escritor Cezar Tridapalli
08/06/2014 | 03:00 | SANDRO MOSER
Gazeta – Como nasceu este seu livro? Algo aconteceu que serviu de centelha da narrativa?
Neste caso houve e eu não sei de onde surgiu. Tenho um daquelas famosas cadernetas de escritor -hoje é o meu celular -e andando pelas ruas do bairro onde moro (Alto da XV) anotei numa manhã, entre ideias dispersas, esta história do sequestrador. Já a ideia de falar do Schiller, eu tive lendo em pé em uma livraria no Rio de janeiro. Achei muito interessante a distinção que ele faz sobre as pessoas que encaram a vida com ingenuidade e as outras que tem certa malicia e artificialidade nas relações. Serviu como baliza para a outra ideia.
Gazeta – Lendo o livro me pareceu que você enxerga a figura de um sequestrador e de um refém na maioria das relações humanas. Estou certo?
Sim, eu concordo. No fundo, o livro que fala de amor em várias formas possíveis e bem diferente. Neste conjunto, eu incluo essa forma que é de se tornar refém de alguém ou de algum sentimento. A relação com o sequestrador é mesmo muito ambígua e às vezes descamba para uma tensão homoerótica. Eu sempre pergunto quantas formas do amor nós podemos destilar. Tem a ver com a construção dos personagens. Acho que melhorei isso em relação ao primeiro livro. Ninguém é tão canalha, nem tão honrado. Aquele livro é de certa forma mais polarizado, e o sacana é bem sacana, o protagonista é alguém para quem a gente se vê torcendo. Neste livro, todo mundo é mais cínico, mais humano.
Gazeta – O livro foi premiado antes de ser lançado. Como isto te afeta?
Ainda não recebi o prêmio (a cerimônia de entrega é depois de amanhã dia 10). Mandei o inédito e recebi a ligação dizendo que eu tinha sido escolhido. Quando a gente manda o texto, é claro que tem uma esperança de ganhar, mas não é algo com que se possa contar. Fico feliz, é claro. Talvez ajude a impulsionar um terceiro romance.
Gazeta – O que um escritor pode fazer por seu livro além de escrevê-lo?
Fico até meio triste de admitir, mas na hora em que o livro chegou como um produto acabado, mudou a relação de empatia que eu tinha com o texto. A adesão ao texto muda. Parece banal, mas a imagem de um filho que você lança no mundo ainda é a mais bem resolvida. Ele que vá agora cumprir o seu percurso.
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