O Jornal O Globo, em edição impressa e também on-line, dedica-se a uma análise do romance O beijo de Schiller por meio da matéria abaixo, do jornalista Leonardo Cazes, de uma resenha do crítico José Castello e também da publicação de um excerto do romance. A matéria original você pode ver clicando aqui. Abaixo, a sua transcrição integral.
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Encontros e choques no segundo romance do escritor curitibano Cezar Tridapalli
Obra que recebeu o Prêmio Minas Gerais de Literatura 2013, dedicado a inéditos, chama atenção para a cena local
Cezar Tridapalli acredita que, apesar da cidade ter uma cena forte, os curitibanos se leem pouco – Divulgação / Paulo Henrique Camargo
.RIO – O escritor paranaense Cezar Tridapalli ouviu o angolano José Eduardo Agualusa dizer, durante uma palestra em Curitiba, que escrevia seus livros só para descobrir como terminariam. Achou divertido, mas nunca conseguiu fazer nada parecido. Seu segundo romance, “O beijo de Schiller” (Arte & Letra), foi todo rascunhado em letra miúda, a lápis, em uma cartolina.
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Assim foram traçados os caminhos do escritor consagrado Emílio Meister, que faz sucesso escrevendo sobre as relações humanas, mas falha miseravelmente ao lidar com a mulher e a filha, e do arquiteto Luka, protagonista do novo livro de Emílio e que sofre com uma incapacidade crônica de se relacionar com as mulheres. As vidas de criador e criatura são bagunçadas após encontros improváveis — um sequestrador, uma prostituta — que os confrontam com suas certezas sobre si mesmo e seus próprios desejos.
A obra que chega agora ao mercado recebeu o Prêmio Minas Gerais de Literatura de 2013, dedicado a livros inéditos, e chama mais atenção para a movimentada cena literária curitibana. O romance mantém, inclusive, uma relação íntima com a cidade. O Schiller do título é uma referência dupla, ao filósofo alemão Friedrich Schiller e à Rua Schiller, que o escritor descreve como “bonita e diferente, muito arborizada, um verdadeiro parque linear, com cancha de bocha, pista de skate, academia ao ar livre, quadras esportivas”.
— Eu invento histórias, cenas, situações, mas não o cenário. Tudo se passa em cenários reais, ruas reais, paisagens. E, mesmo já tendo viajado muito, nasci, cresci e vivi desde sempre em Curitiba, que é minha âncora. Ela me dá lastro e me afunda. É o espaço do planeta que eu mais conheço, é inescapável falar dela — afirma Tridapalli, em entrevista por e-mail ao GLOBO, da Holanda, onde trabalha na ideia de um terceiro romance.
Do alemão Schiller, a influência para a romance foi o ensaio clássico “Poesia ingênua e sentimental”. Tridapalli descobriu o texto ao ler outro ensaio, de Orhan Pamuk, que fazia referências à obra, enquanto acompanhava o pai em uma visita ao Rio de Janeiro para tirar o visto americano. Na obra, o filósofo argumenta que é possível dividir as pessoas entre as que têm uma postura mais ingênua e inocente diante da vida e as mais maliciosas, que veem a vida quase como um jogo. As variações entre os dois polos estão na base das personalidades de Emílio e Luka.
SEM AUTOFICÇÃO
A escolha do protagonista escritor também foi alvo de preocupações. Em seu romance anterior, “Pequena biografia de desejos” (7Letras, 2011), o protagonista era um porteiro de um edifício de Curitiba que, entre outros anseios, sonhava em ser escritor. Ele reconhece que se trata de uma porta aberta para os clichês, mas decidiu ir em frente. Em “O beijo de Schiller”, Tridapalli afirma que não há qualquer tipo de autoficção.
— Claro que o cenário, a rua, o ofício de escritor, todos são elementos que conheço, mas aí a gente pega esses elementos e os recria. Para mim, a literatura não é o lugar do confessionalismo ou o despejo de emoções primárias. As emoções estão sempre sendo elaboradas pelo discurso. Na verdade, é uma grande diversão intelectual. Pelo menos eu encaro assim depois que os livros ficam prontos. Antes e durante, é um sofrimento só, tem pouco de divertido.
Tridapalli se formou em Letras pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde também fez mestrado em Estudos Literários. Depois de passar por salas de aula do ensino básico e superior, percebeu que a atividade como professor atrapalhava as suas leituras. Aos 40 anos, coordena um trabalho na interface entre mídia e educação em um colégio católico de Curitiba.
Ele conta que só ao lançar o romance de estreia, sem nenhuma relação com a academia ou o jornalismo, travou contato com a cena da cidade. Ele vê como positivo o atual momento — com revistas e jornais de literatura de prestígio, e mais editoras, livrarias e escritores —, optou por lançar o romance premiado por uma casa local, mas crê que ainda faltam leitores.
— Não defendo o bairrismo, que curitibanos precisam ler curitibanos, mas acho que mereciam ao menos conhecê-los. Se a literatura contemporânea é uma forma de dialogar com a tradição e pensar o seu tempo, de jogar luzes sobre o presente, ela merecia ocupar mais espaços institucionalizados — diz ele, referindo-se às escolas e listas de vestibulares.
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