Entrevista concedida a Luiz Fernando Cardoso, do site de livros e literatura Literatsi. O conjunto de entrevistas denominado Lado L começou com o escritor Santiago Nazarian e seguiu com as escritoras Paula Fábrio, Cristina Lasaitis e Luisa Geisler. Fui o quinto autor da série e pude falar sobre escrita e leitura, com perguntas bastante desafiadoras. Abaixo, a íntegra da entrevista, que pode ser vista no site original clicando-se aqui.
ENTREVISTAS
Lado L 5: Cezar Tridapalli
Autor de O beijo de Schiller, Cezar Tridapalli fala sobre suas leituras, a cena literária de Curitiba e se a escola estimula ou não o hábito da leitura
Foto: Divulgação/Paulo Henrique Camargo.
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Emílio Meister é um escritor famoso e bem-sucedido. Durante uma viajem pelo litoral catarinense, ele e a esposa são sequestrados por um rapaz armado. Esse acontecimento faz Emílio perceber que sua rotina de classe média é oca e vazia, uma vida de aparências e máscaras. Ao invés de fugir de seu sequestrador, o escritor “adota” o jovem criminoso e o leva para sua casa.
Meister é protagonista do romance O beijo de Schiller, escrito pelo paranaense Cezar Tridapalli. Com este livro, Tridapalli recebeu o Prêmio Minas Gerais de Literatura de 2013. Formado em Letras pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com mestrado em Estudos Literários pela mesma instituição, Cezar trabalhou como professor. Mas, em 2005, saiu da sala de aula ao perceber que a atividade de professor de literatura atrapalhava as sua leituras. Atualmente Tridapalli coordena em um colégio jesuíta de Curitiba um projeto que faz a interface entre mídia e educação. Na entrevista a seguir, Cezar Tridapalli fala sobre suas leituras, a cena literária de Curitiba e se a escola estimula ou não o hábito da leitura.
O que você está lendo atualmente?
Acabei de ler Altos voos e quedas livres, do inglês Julian Barnes. E comecei A vez de morrer, da escritora carioca Simone Campos, com quem conversei em um evento de lançamento do livro em Curitiba. Depois, pretendo começar o Flores artificiais, do Luiz Ruffato. São esses três livros, portanto, que estão no meu raio mais recente de leituras.
O que te chama mais a atenção em um livro: a história ou a forma como ela é contada?
É a clássica questão do diálogo entre forma e conteúdo. Não é fácil – e talvez, nem mesmo desejável – separar uma coisa de outra. É difícil algum leitor de romances abrir mão de uma boa história, mas essa boa história tem muito a ver com o modo de ser contada. Altos voos e quedas livres, por exemplo, que eu citei acima, é um bom exemplo. Eu comecei o livro e, depois da primeira parte, pensei: não era bem isso que eu precisava ler no momento. Eram umas histórias sobre balonismo e tal. Eu só continuei porque ele narra muito bem. No final, não me arrependi, pois ele faz um fechamento pungente para aquela história que de início não era o que eu estava esperando. A forma de uma igreja barroca, por exemplo, é também seu conteúdo. Com livros talvez dê para fazer uma comparação parecida. Um bom jeito de contar será capaz de deixar qualquer história interessante. O enredo de Dom Casmurrotem muito de novela de televisão, mas a linguagem machadiana transforma a história em biscoito fino. O bom fotógrafo faz um ensaio belíssimo numa sala fechada e cinza, capturando texturas e ângulos inusitados. Um mau fotógrafo pode ter paisagens exuberantes diante de si e não conseguir sair do lugar-comum. Relendo minha resposta, acho que estou tendendo mais para o lado da forma, né?
Um personagem precisa de quais características para ser marcante?
Eu pensei aqui em dois extremos: os personagens que causam identificação e os que causam estranhamento. Podemos ser afetados por ambos os tipos. Aqueles com os quais nos identificamos são capazes de nomear de forma elaborada o que pensamos e sentimos, mas que sempre nos pareceu difuso, sem uma ordenação discursiva. Eles nos fazem enxergar a nós mesmos, mas no outro, na exterioridade, como se pudéssemos nos ver de fora. E os que nos causam estranhamento alargam nosso jeito de ver o mundo, fazendo-nos perceber que existem outras maneiras de pensar, ser, estar e agir no mundo.
Quando percebe que não está gostando de um livro, você o abandona ou continua lendo até o fim?
As duas experiências já aconteceram e até agora eu não consegui perceber qual é meu padrão.
Já se sentiu na obrigação de gostar de um livro, mas acabou não gostando dele?
Sim, algumas vezes. Mas nem sempre culpo o livro. Tenho modéstia suficiente para saber que o problema pode estar comigo (parece fim de relacionamento, quando não queremos magoar a outra pessoa: “o problema não é você, sou eu”). Tem vezes também que o autor é tão sensacional que, quando vamos ler o próximo livro dele, com a expectativa lá em cima, a gente se frustra, afinal era apenas um livro espetacular, mas se esperava algo ultramegaespetacular.
Quem ou o quê despertou o seu interesse pela literatura?
Vamos por fases: com sete anos, O cachorrinho samba na floresta, da Maria José Dupré. Com onze anos, O mágico desinventor, do Marco Túlio Costa, e O gênio do crime, do João Carlos Marinho. Lá pelos treze ou quatorze, A ilha misteriosa, do Julio Verne, e, também dele, Viagem ao centro da Terra. Depois, já na faculdade, tive aulas com o professor Paulo Venturelli, responsável por me colocar definitivamente nesse caminho da leitura. Crime e castigo, no primeiro ano da faculdade de Letras, foi outra referência. Esses foram alguns dos meus despertadores.
As premiações recebidas por um livro influenciam a sua decisão de ler ou não determinado título?
Premiação propriamente dita não, mas boas críticas em jornal sim.
O brasileiro lê pouco ou lê mal? A escola estimula ou desestimula a leitura?
Esses termos no singular (“o” brasileiro, “a” escola) são complicados porque somos muitos e diversos, e as escolas tantas e tão diferentes. Mas vou tentar: acho que lemos muito as conversas das redes sociais, os e-mails, as placas, as manchetes dos jornais etc. Mas lemos poucos livros, e isso os Retratos da Leitura no Brasil (2007 e 2011) já apontaram. E os índices de analfabetismo funcional também são desanimadores, pois existem muitas pessoas que não têm habilidade linguística para decodificar um parágrafo com nível médio de dificuldade. As brigas nos facebooks da vida, bem como os comentários toscos dos leitores nos portais de notícias, se dão em boa parte por uma incrível incapacidade de interpretar textos e entender ironias. Quanto à escola, que dizer? A maioria sai meio traumatizada, mas eu só passei a gostar de ler depois que passei pela tão criticada lista de leitura obrigatória, na quinta série. Para mim, funcionou, mas muito porque a curadoria dos títulos oferecidos parecia muito bem feita. Se o professor for leitor (uma premissa aparentemente tão básica), já damos um bom passo para que a escola dê sentido às leituras. O aluno tem que sacar também que leitura pode dar trabalho e não pode ser comparada aos entretenimentos diários, que não cobram esforço, mas também dão muito pouco em troca além da diversão instantânea.
Em sua opinião, como está a cena literária na cidade de Curitiba? Quais os seus escritores favoritos?
Parece que o negócio está fervendo. Gente atirando (e atirando bem) para todos os lados: o caminho da publicação por editoras, as autopublicações, a publicações on-line etc. A cidade tem uma fama de ser autofágica, mas eu não vejo assim. Falamos de nós mesmos. Ainda acho que temos poucos leitores para tanta coisa boa sendo produzida, mas é apenas uma impressão, não tenho nenhum dado. Quanto aos favoritos, essa é a tal da pergunta complicada. No romance, gosto do Cristovão Tezza; na crônica, fico com o Luís Henrique Pellanda; na poesia, com o Marcelo Sandmann, o Ivan Justen e o Ricardo Pozzo; no conto, o Dalton Trevisan, o Marcio Renato dos Santos e o Paulo Venturelli. Mas há muitos que eu ainda não li. E, claro, estou deixando de fora outros tantos, para não ficar muito grande a lista ou por esquecimento, o que vai me causar um surto de arrependimento e mal-estar depois. Mas é a vida.
Curitiba tem tradição em revistas e jornais literários. A cidade é berço de publicações importantes como Nicolau, Joaquim, Cândido e Rascunho. Como você explica esse fato? Dos periódicos literários que estão em circulação hoje, você é leitor ou colaborador de algum?
Eu já estava esquecendo o Nicolau, ainda bem que você me lembrou, pois ele teve papel importante na minha adolescência, quando eu ia à Biblioteca Pública do Paraná. Eu não entendia a importância dele naquele momento, mas curtia ler o que saía. Quanto à profusão de publicações literárias, eu não saberia explicar, mas sei que ainda existem, além das que você citou, a revista MAPA, a Arte e Letra Estórias, a Jandique, o RelevO e ainda devo estar esquecendo outras. Não sou colaborador fixo de nenhuma, mas já saiu texto meu em algumas dessas revistas e jornais.
Em seu romance O beijo de Schiller, o protagonista é um escritor sequestrado por um pivete e mantido como refém na própria casa. Tendo um escritor como personagem principal, o livro fica mais atraente para o leitor? Na sua opinião, quais as melhores obras com protagonistas escritores?
Não sei se esse motivo deixa o livro mais atraente. Na verdade, é até perigoso usar esse recurso porque alguns vão dizer que é um recurso-clichê. Eu sabia disso antes de escrever e corria risco duplo, já que meu primeiro livro, o Pequena biografia de desejos, também já trazia um protagonista que tinha aspirações literárias, embora fosse totalmente diferente do protagonista de O beijo de Schiller. Mas eu tinha a história na cabeça e não deixaria de escrevê-la apenas porque essa ideia de metaficção poderia ser considerada um lugar-comum. É chavão? Então tudo bem, deixa eu tentar escrever esse chavão do meu jeito. Corri o risco. Gosto de Trapo, do Cristovão Tezza, que traz um protagonista poeta. A autobiografia romanceada do Coetzee, em Juventude, também é bem legal.
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