O Jornal literário RelevO conta com novo ombudsman, o escritor Cezar Tridapalli. A missão é ler o jornal de ponta a ponta e apontar problemas, sugerir melhorias. O jornal valoriza o formato impresso, mas pode ser lido também on-line, no endereço https://jornalrelevo.com/.
Na edição de fevereiro, a apresentação:
Na metade final da década de 1990 eu começava a vida profissional a que sou ligado até hoje: o trabalho com literatura. Foi nessa época que assinei pela primeira vez um jornal, a Folha de São Paulo, quando eu vivia o auge 1)- do combate em favor da leitura e 2)- do sentimento escandalizado: como podia haver professor que sequer lia jornal?
Meu critério de avaliação da Folha de São Paulo não era muito especializado: o jornal era tanto melhor quanto mais as reportagens, crônicas, ensaios etc confirmavam aquilo que eu pensava e expandiam unilateralmente meu universo de argumentos para enfiar na cabeça dos alienados. Afinal, quem não sabe que alienado é todo aquele que pensa diferente?
No meio de tanto texto, semanalmente vinha a coluna do ombudsman (ômbudsman ou ombúdsman?). Era um caroço no meio da polpa, um ruído no tom do jornal, que passava a semana falando mal dos outros e fazendo propaganda de si mesmo. De repente, uma fissura abstrusa fazia brotar um texto falando mal do próprio jornal. Uma coluna na contramão do fluxo. E nunca é fácil andar na contramão. No mundo dos automóveis, estar na contramão significa atenção dobrada para não bater; e tentar sair assim que possível. Já o ombudsman precisa continuar ali. E bater.
O ombudsman é o sujeito chamado para desconfiar do jornal, mas é dele – ombudsman – que todo mundo desconfia. Não seria ele apenas um panegírico com meios reversos, tipo a figura a quem se pede para falar dos próprios defeitos e ela diz que é sincera demais, organizada demais, perfeccionista demais (chata demais ela não diria)? Não seria a pessoa física do ombudsman um compadre do editor-chefe, até padrinho dos filhos? Ou, na outra ponta da desconfiança: quem é esse sem-noção que fala mal do meu jornal, que avaliou mal uma das minhas pautas preferidas?
Quando fui convidado para ser o ombudsman do RelevO durante algumas edições de 2019, fiquei pensando, pensando. Coloquei minha autoconfiança na pauta e fiz o ombudsman de mim mesmo. O resultado foi terrível: febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos. E a certeza de que era incapaz.
Ao mesmo tempo, janeiro não é o mês das grandes esperanças e decisões equivocadas? Aceitei.
Como exigência, toalhas brancas, amoras silvestres e espumantes (brut). E que as edições seguintes do RelevO sejam meio ruins, pra eu ter assunto.
Agradeço a (des)confiança.
Cezar Tridapalli
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